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Alunos 10/07/2017
Vamos conversar?

Vamos conversar?

Superseminário da 2ª Série EM discute diversidade de gênero e raça com convidados especiais
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O que justiça, legislação, medicina, saúde pública, estatística, atuação policial, negociação de crises, sociologia, cultura e arte têm a ver com a discussão sobre a diversidade de gênero e raça no Brasil e no mundo? Para discutir um assunto tão multifacetado com os alunos da 2ª Série do Ensino Médio, a equipe do Colégio Loyola trouxe, também, nessa sexta-feira (7), convidados que falam a partir de experiências distintas ao lidar com o tema. Com mediação do coordenador Carlos Freitas, do professor Leonardo Caldeira e da assessora referência de Sociologia Nina de Abreu, o debate aconteceu com os seguintes convidados:

Kárin Emmerich – Desembargadora da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Superintendente da Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica-COMSIV.

Maria Raquel Ferraz Zagari Valentim – Juíza federal do Trabalho, coordenadora acadêmica da Escola Judicial do TRT-MG.

Carol Rossetti – Ilustradora e Designer, autora do livro Mulheres – Retratos de respeito, amor-próprio, direitos e dignidade.

Francis Albert Cotta – comandante do Esquadrão antibombas e negociador de crises do Batalhão de Operações Especiais (BOPE-MG), doutor com residência pós-doutoral em História Social da Cultura – UFMG.

Mauro Nogueira Cardoso – Médico epidemiologista, mestre em Saúde Pública, com experiência na ONG Médico Sem Fronteiras.

O tema foi escolhido pelos próprios alunos, em votação, para ser objeto do projeto interdisciplinar Superseminário. Normalmente, para essa atividade, as turmas são divididas em grupos e recebem a missão de defender, a partir dos conhecimentos adquiridos e de sua vivência, pontos de vista aparentemente conflitantes ou contraditórios. Nesta edição, a novidade foi o momento prévio de debate com os convidados. Depois dessa etapa, os alunos se reuniram para produzir o documento que apresenta a argumentação de cada grupo. Na parte da tarde, foi realizado o debate propriamente dito entre eles.

Veja alguns dos principais pontos trazidos pelos convidados do Superseminário para enriquecer a discussão:

A desembargadora Kárin Emmerich, que é mãe de uma antiga aluna do Loyola, abriu a discussão apresentando estatísticas da violência contra a mulher e afirmando que a violência doméstica é “democrática”, podendo estar mais perto do que muitos imaginam, em todas as classes sociais. Em seu trabalho, a partir da aplicação da Lei Maria da Penha, a magistrada explicou que a violência física acaba sendo mais fácil de identificar, mas há outros tipos que aparecem de forma mais diluída e podem causar danos permanentes. Muitas vezes, o agressor nem reconhece sua atitude como violenta, a exemplo de um marido que vai até o trabalho da companheira e a humilha verbalmente na frente dos colegas. “É um problema histórico e que precisa de momentos de reflexão, como esse, para que haja transformação. Existe uma previsão de que serão necessários pelo menos 200 anos para que a lei Maria da Penha não precise mais existir. Eu acredito que, pela educação, pela ampliação do acesso da mulher aos seus direitos e à dignidade e por meio de discussões como essa, possamos diminuir esse prazo”, apontou.

O comandante da Polícia Militar e professor Francis Albert Cotta relatou casos vividos por ele no exercício da profissão – situações graves de conflito, crises com reféns e ameaças de suicídio atendidas pelo Batalhão de Operações Especiais – e que são situações exemplares de como a forma de construção da sociedade, suas relações de poder e teias simbólicas afetam o relacionamento entre os seres humanos. “Qual humanidade nós queremos? É possível desconstruir padrões que não satisfazem mais as relações contemporâneas e nosso anseio pela igualdade? São perguntas que devemos fazer. É necessário ter coragem para efetuar rupturas e superar determinadas ‘permanências’, ou seja, sistemas e ações que insistem em excluir e subjugar. Para isso, a educação primária – em casa –, e secundária – na escola –, têm papel fundamental. Mas primeiro, cada um de nós precisa querer mudar”, destacou.

A juíza Maria Raquel, mãe de três alunos do Colégio Loyola, pontuou as desigualdades de gênero e raça no mundo do trabalho, lembrando que os direitos de voto e de ter a profissão que quisesse, entre outros, só foram reconhecidos às mulheres muito recentemente. Citando os estudos que apontam disparidade de renda no mesmo cargo, a carga maior de trabalho em casa e a desigualdade de acesso aos cargos de gestão, a magistrada destacou que há um enorme descompasso. Ainda que as leis proíbam a discriminação e protejam a mulher que engravida, por exemplo, há o desafio de colocar a norma em prática. “Além disso, temos o legado da escravidão. Embora tenha acabado legalmente, suas consequências permanecem. Prova disso é que, no Brasil, a porcentagem de mulheres negras é maior entre a população mais pobre”, acrescentou Maria Raquel Ferraz.

O epidemiologista Mauro Cardoso, antigo aluno do Loyola, contou um pouco sobre sua experiência em países africanos – Malawi e Angola – e, mais recentemente, na Síria, junto com a organização não governamental Médicos Sem Fronteiras. Com especialização em saúde pública e estatística, ele pôde observar como algumas mudanças culturais e sociais têm impacto sobre os dados epidêmicos de cada país – por exemplo, sociedades matriarcais apresentam índices menos mal de doenças graves entre as mulheres. “É importante entendermos que nada é imutável, mesmo que o processo de mudança seja lento. As desigualdades – de gênero, raça e renda – não são naturais. Nós é que estamos acostumados com esse padrão violento. E cabe também a nós sermos agentes de transformação”, defendeu o médico.

A ilustradora Carol Rossetti contou, em seu depoimento, que não foi fácil encontrar sua própria voz. Por meio de ilustrações que foram publicadas nas mídias sociais e ganharam muita repercussão, ela entendeu que poderia criar um diálogo, fora do contexto acadêmico e dos movimentos sociais constituídos, inclusive com pessoas de outros países. Os desenhos apresentam personagens que têm nome, rosto e falam de forma simples e direta sobre assédio, violência e desigualdade. “O diálogo criado a partir da experiência do outro gera empatia. Contar histórias reais pode ser uma forma de convidar o outro a estar aberto a aprender; convidar o outro a perceber que ele não tem todas as respostas; convidar o outro a encontrar uma solução conjunta, mesmo que ele pense diferente, independentemente da idade”, declarou.

Durante o debate, destacaram-se alguns elementos comuns ao discurso de todos os participantes.

– a importância de uma educação de qualidade para todos, desde a base;

– a importância do diálogo;

– a importância da reflexão sobre que tipo de intervenção pode ser feita para amenizar as desigualdades na nossa sociedade.

Debater sobre esse último item foi a missão dada aos alunos para concluir o último Superseminário do primeiro semestre. Munidos de perspectivas diferentes e complementares, o resultado foi uma conversa aprofundada e respeitosa sobre várias faces de um assunto que não está restrito a polêmicas instantâneas.

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